terça-feira, 31 de maio de 2011

TEMPO CAMPUS /- Licenciatura Intercultural Indígena



IFBA inicia 2º Módulo Presencial da LINTER
Seg, 30 de Maio de 2011 15:20
Por: Ivan Bezerra
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA Porto Seguro iniciou na manhã de hoje, 30, as atividades do Segundo Módulo Presencial de aulas do curso de Licenciatura Intercultural Indígena – LINTER. As aulas acontecem na Faculdade do Descobrimento – FACDESCO – em Coroa Vermelha e marcam o início das atividades do segundo semestre. Cerca de 80 alunos indígenas das aldeias Tupinambá, de Olivença e Buerarema, Pataxó Hã Hã Hãe, de Pau Brasil e Pataxó, de Santa Cruz Cabrália e Coroa Vermelha, participam do encontro. As aulas acontecem em turno integral até o dia 18 de junho.

Para a aluna Arnã Pataxó, a LINTER é uma oportunidade de desenvolvimento educacional não só para ela, mas para toda a comunidade indígena: “Viemos aqui em busca de conhecimento técnico para voltarmos para a nossa comunidade e plantar esse conhecimento para o nosso povo”.

Já a aluna Margarida Pataxó quer aproveitar bem a oportunidade de aprender através da estrutura oferecida pelo instituto: “No momento em que nós educadores e educadoras saímos de nossa comunidade e nos ingressamos numa faculdade do suporte do IFBA não há dúvida, vamos adquirir e ampliar cada vez mais o nosso conhecimento e o retorno, com certeza, será bem melhor para nossas crianças e para os nossos parentes na comunidade”.

O início das atividades foi marcado por uma série de palestras. Entre elas, uma proferida pelo Cacique Babau, da Aldeia Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, em Buerarema. O Cacique acredita na educação para seu povo como garantia do cumprimento de diretos indígenas previstos em lei: “Na comunidade Tupinambá temos uma palavra chave: educação, que é a arma moderna para o índio usar na conquistar seus direitos. Então, a educação é tratada muito a sério na comunidade. Nós estamos lutando para nós termos uma universidade indígena específica e culturalmente própria dos povos indígenas para, daí sim, nós nos fortalecermos e nos apossarmos diretamente dessa ferramenta que é a educação, o conhecimento”.

A proximidade geográfica da FACDESCO com uma das principais aldeias indígenas da região, a Pataxó, facilita o desenvolvimento de atividades voltadas para os índios dentro do espaço acadêmico. Célia Giménez, uma das diretoras da FACDESCO, diz que o acesso dos índios à estrutura da faculdade era um sonho antigo: “Sempre tivemos a intenção de atrair a comunidade indígena para dentro de nossas salas de aula para poderem ter um espaço comum para dialogar, porque, através da educação e, principalmente, da educação superior existe esse diálogo, então, é um sonho antigo que nós temos”. Outra diretora da FACDESCO, Waldívia Rodowanski Bohn, espera uma interação ainda maior da comunidade indígena com a instituição de ensino superior a partir deste encontro: “Nós estamos sempre com as portas abertas para a comunidade indígena. Então, a gente quer sempre levar o nosso trabalho para eles e queremos que eles venham até nos”.

Para o corpo docente do IFBA, o módulo presencial é uma ótima oportunidade de troca de conhecimento. O Coordenador da LINTER, professor Edson Machado de Brito, afirma que só o encontro de comunidades indígenas distintas entre si já possibilita o aprendizado de outros costumes e culturas. “Para os nossos alunos é um momento de aprendizado porque eles vão ter contato com vários conhecimentos, teorias, textos, leituras, assim como para nós também é muito importante, porque é um momento que nós vamos também aprender com eles. Aqui, no caso da Licenciatura Intercultural, o conhecimento se dá em mão dupla, nós aprendemos com eles e eles aprendem com a gente e a interculturalidade é exatamente isso”, afirma o professor.

O coordenador faz, ainda, um balanço positivo das atividades desenvolvidas no primeiro semestre pela LINTER e destaca o esforço administrativo do instituto para manter o curso em pleno funcionamento. “Estamos iniciando o segundo semestre do curso e o balanço do primeiro semestre é muito positivo apesar de muitas dificuldades que nós tivemos. Mas o IFBA e a administração do IFBA, particularmente, foram parceiros muito fortes e incansáveis para conseguir toda a infraestrutura para garantir que o encontro acontecesse. Os alunos já cresceram bastante na produção do conhecimento e na compreensão dos processos assim como para nós professores é muito gratificante porque nós estamos compreendendo melhor a cultura desses povos, desses alunos”, completa Edson Machado.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

ENTREVISTA - Uma visão antropológica sobre índios contemporâneos

Em entrevista ao jornalista Ivan Bezerra, o Professor João Veridiano Franco Neto,  Bacharel em Ciências Sociais pela UFSCar e Mestre em Antropologia Social pela UNICAMP, Professor de Sociologia e Antropologia do Instituto Federal da Bahia(IFBA - Campus Porto Seguro), elucida questões relevantes para a compreensão da movimentação indígena nos dias atuais.




Prof. João e crianças indígenas na aldeia Pequi - Cumuruxatiba-Ba
Foto: Carla Camuso
 Segue a entrevista:
 
Ivan Bezerra:
Bom dia, João. Gostaria que o senhor falasse sobre a diferença de dados referentes à quantidade de índios na Funai e no IBGE. Este último, considera, além daquele que vivem em aldeias e reservas delimitadas, as respostas autodeclaradas. Ou seja, incluindo os índios de áreas urbanas. Estima-se que o censo de 2010 deva registrar mais de um milhão de índios no Brasil. Os dados revelariam, ainda, a superação do preconceito de se considerar índio?



João Veridiano:
Realmente há uma divergência entre os dados da FUNAI, que divulga 460 mil índios e os dados do IBGE, em torno de 700 mil índios.
Entretanto, antes de falar dessa diferença, gostaria de falar de outra: embora não se saiba exatamente quantos habitantes existiam no que veio a ser o Brasil no momento da invasão europeia, a arqueologia e a demografia histórica estimam uma população entre cinco milhões a dez milhões. Ou seja, se pensarmos no número mais baixo desta estimativa (cinco milhões) e a projeção mais alta das estatísticas do IBGE (um milhão), têm-se aí uma diferença de quatro milhões. O que podemos concluir sobre isso? Um verdadeiro genocídio foi empreendido pela colonização.
Voltando a questão. Os dados da FUNAI consideram apenas indígenas aldeados; já o IBGE, vai além, como você mesmo disse, e considera as respostas autodeclaradas. Ao meu entender, adotar esta metodologia de pesquisa é um avanço, pois representa com maior fidedignidade a pluralidade cultural brasileira (bem como indígena).
A título de ilustração, posso até mencionar um caso presenciado por nós em Cumuruxatiba (distrito municipal de Prado/BA) durante o processo de seleção para supervisores comunitários do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID-Diversidade), que nossa Licenciatura Intercultural Indígena acaba de aprovar: um candidato se autodeclarou como afro-indígena. O que despertou muita a minha atenção. Logo depois, fiquei sabendo por meio de um pesquisador que no século XVIII quarenta negros alforriados foram enviados para a região. Todos eles casaram-se ou mantiveram relações afetivas com índias que já habitavam este local. Dessa maneira, as peças começam a se encaixar e a diversidade vem à tona.
Penso que a situação segue para este caminho, começa-se a defrontar o preconceito em se autodeclarar indígena, e ao mesmo tempo enfrentar as consequências em reivindicar os seus direitos previstos por Lei. Mas ainda estamos longe em dirimir com o preconceito.


Ivan:
Fale sobre a identidade étnica do índio, se vem sendo perdida com o passar do tempo e a relação dos povos indígenas com as sociedades modernas.
 
João Veridiano:
Na antropologia não se fala mais em perda. O conceito de “aculturação”, tão difundido, já se tornou antiquado como instrumento de análise das sociedades. O que se propõe, atualmente, é a “transformação”. Lembrando que a Antropologia Social conceitua Cultura como um fenômeno dinâmico. Deste modo, parece ficar claro a relação entre mudanças culturais ocasionadas pelos processos de relações. Uma relação não tem apenas um lado, vale ressaltar, é uma via de mão dupla, que cada protagonista tem suas próprias estratégias para melhor aproveitar cada relação de contato. Isso explica, em parte, o que discutimos na pergunta anterior: em determinado momento histórico, a melhor estratégia era ocultar sua identidade indígena em função da estrutura de poder da sociedade brasileira e também cultural, que pensa o índio como um ser pertencente a uma sociedade que se encontra em um estágio inferior da sociedade ocidental; hoje, a situação mudou, e a sociedade de direitos fomentou a possibilidade de uma nova estratégia, escancarar sua identidade com orgulho, onde as palavras-chaves são: revitalizar e preservar. Bom... enfim, arrisco-me até a uma brincadeira, no que diz respeito à Cultura: nada se perde, tudo se transforma.

Ivan:
Como o senhor considera a troca de conhecimentos entre índios e brancos? Quais os pontos positivos e negativos dessa relação?
João Veridiano:
Para ser sincero acho que nossa sociedade é muito imatura e etnocêntrica para compreender os conhecimentos indígenas. Normalmente esta troca é feita de maneira hierarquizada. Explico melhor: durante minhas pesquisas de campo no Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, costumava conversar tanto com os pajés (especialistas de cura indígenas) quanto com os médicos e outros profissionais da saúde que pertenciam às equipes de saúde da FUNASA. Estes últimos, normalmente são muito bem intencionadas em relação à cultura indígena e se interessam frequentemente em aprender seus conhecimentos. Entretanto, os conhecimentos são classificados de maneira hierarquizada. Por exemplo: ao falar sobre o comportamento de um garoto indígena morador de uma aldeia no Xingu, um médico falou a mim que os índios acreditam que o garoto sofre de um feitiço, mas que nós sabemos – se referindo a ele e a mim – que aquilo não passa de crença, que na verdade o garoto é epiléptico. Os pajés dizem que a causa da doença do garoto, seja ela um sintoma de epilepsia, foi causada por um espírito da floresta. Como se é possível perceber, a noção de causalidade dos índios vai além, a biomedicina não abrange as inquietudes dos membros destas sociedades. A sorte, o acaso, o acidental, o destino, muito comuns para nossas representações de causalidade, não são suficientes aos índios, o saber deles exige mais. Apesar de o médico conhecer ambas as explicações em relação a um fenômeno,fica explícito o etnocentrismo que hierarquiza o conhecimento indígena em mera “crença” e o saber dele, do médico, a verdade científica. É desta hierarquia que estou falando, e a percebo como um ponto negativo destas relações. E é por isso que acho que a troca é realizada de maneira hierarquizada. Alguns de nós estamos nos esforçando em apontar estas falhas, e dentro deste esforço seria anular essa assimetria. Penso que as Licenciaturas Interculturais podem vir neste contexto e ser uma importante referência positiva.

Ivan:
Como funciona, atualmente, a relação de consumo do índio. Antigamente, ele dependia do que produzia na terra para sobreviver. Hoje em dia, inserido na sociedade moderna, ele tem se tornado refém do "consumismo"?
 
João Veridiano:
O contexto não parece tão simples assim. As trocas e as relações de intercâmbio entre os povos indígenas são anteriores ao advento da sociedade do consumo. O que eu quero dizer é que nem todas as sociedades indígenas dependiam exclusivamente do que produziam. Sabe-se de instrumentos de ferro encontrados em sítios arqueológicos que chegaram a estes grupos antes mesmo do europeu entrar diretamente em contato com eles. Ou seja, os habitantes nativos já tinham consolidado uma rede de intercâmbio muito abrangente; e não apenas de bens materiais, mas também de ideias e informações.
De qualquer maneira há uma diversidade de situação no que se refere a este tema. Vai depender da região e dos grupos étnicos que estamos detendo nossa atenção. Obviamente se especificarmos os grupos étnicos que habitam regiões próximas a cidades, a situação pode apontar para relações de consumo voltadas para o regime de produção urbano. Acho um pouco precipitado dizer “refém”, pois se assim o fosse todos nós seríamos então reféns.Mas compreendo a sua questão como uma espécie de inquietação, e vejo que isso se entrelaça à urgência das demarcações de terras como prevê nossa Constituição de 88 no Artigo 231 do Capítulo VIII.

Ivan:
E como anda, atualmente, a relação do índio com a terra, diante da pressão urbana, com o avanço de mineradoras e hidrelétricas, além de atividades agropecuárias e da luta com posseiros e fazendeiros interessados em grandes extensões de terra para comercialização?

João Veridiano:
É justamente a relação do índio com a sua terra demarcada que garante seus direitos constitucionais: terra, saúde e educação, parecem ser os três pilares de reivindicação do movimento indígena e seus aliados indigenistas. Penso que se estivéssemos adiantados em relação às demarcações de terra, muitos dos conflitos internos e de contato com as frentes de colonização citados em sua pergunta estariam ao menos amenizados. De qualquer maneira, parece que ultimamente ocorre um “surto anti-indígena” na sociedade. A pouco vimos um ministro declarar em rede nacional que os índios teriam um pacto com o “demônio”, ao se referir aos protestos indígenas juntos ao Ministério Público Federal e outras instâncias, que estariam atrapalhando o “desenvolvimento” do Brasil quando conseguiram impedir, provisoriamente, os trâmites de construção da hidrelétrica Belo Monte (projetada para ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, mas com baixa capacidadeprodutiva).
Já regionalmente, vem ocorrendo um processo de criminalização das lideranças indígenas do Sul da Bahia, onde os líderes das retomadas (movimento de recuperação das terras originárias) são presos acusados de formação de quadrilha. Assassinatos continuam ocorrendo em função da posse de terra. Lendo por este prisma, estamos muito longe de sairmos da velha situação de conflitos de terra resultados da condição fundiária brasileira, ainda moldada pelo latifúndio da monocultura.


Ivan:
De modo geral, quais as diferenças mais gritantes entre o índio pré e pós-colonização? 
 


João Veridiano:
Em relação a esta pergunta, eu preferiria que os próprios indígenas respondessem, pois foram eles que de fato vivenciaram os impactos da colonização. Mas, digamos que é muito difícil responder a esta pergunta, já que, como enfatizei anteriormente, a cultura é dinâmica, não é possível determinar como estariam as culturas indígenas (sempre no plural) hoje caso não tivesse ocorrido a invasão europeia. Uma coisa é certa, pelo menos do ponto de vista antropológico, decerto que elas não estariam congeladas no tempo e não estariam vivendo como estavam em 1500, bem como os europeus não vivem como em 1500.
Bom... os índios “pré-coloniais” não estavam preocupados com o Brasil, ao contrário dos índios “pós-coloniais” que por uma questão de convivência (e permanência de seus modos de vida) estão extremamente preocupados com o Brasil; e propõem sugestões interessantes, que são jogadas para debaixo do tapete.O que sinaliza, ao meu entender, uma incapacidade da população não-indígena em compreender os povos indígenas e também a diferença cultural que elas representam.
 
Muito obrigado.
 
João Veridiano Franco Neto

sexta-feira, 22 de abril de 2011

19 de abril...dia de reflexão

Foto: Carla Camuso, 2010
Dia do Índio - Diversidade e resistência
Por Ivan Bezerra – jornalista / IFBA -Campus de Porto Seguro
Verusa de Sá – jornalista / IFBA -Reitoria


Em 19 de abril, “comemora-se” o Dia do Índio. Apesar de alguns avanços, o momento é de reflexão. Em 1940, o 1º Congresso Indigenista Interamericano, reunido em Patzcuaro, no México, aprovou uma recomendação proposta por delegados indígenas de Panamá, Chile, Estados Unidos e México. Entre os assuntos, estava o estabelecimento do Dia do Índio, em 19 de abril, pelos governos dos países americanos, que seria dedicado ao estudo das causas ligadas ao índio pelas diversas instituições de ensino. A data lembraria o momento em que os delegados indígenas se reuniram pela primeira vez em assembleia no Congresso Indigenista. O Brasil adotou a comemoração em 1943. Mas o que mudou até os dias atuais?
“O Dia do Índio é o momento em que vamos relembrar os povos dizimados, as questões da perseguição, dos povos extintos, os conflitos por terra com posseiros, garimpeiros e fazendeiros”, afirma Clarivaldo Bráz Ferreira, professor de Ensino Fundamental II na Escola Indígena Pataxó, em Coroa Vermelha, pertencente ao município de Santa Cruz Cabrália/BA. 
Segundo o professor, de nome indígena Ajurú Pataxó, que também é aluno da Licenciatura Intercultural Indígena (LINTER), oferecida pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, o dia 19 de abril é oportuno para fortalecer o movimento indígena, representando um dia de organização política através de manifestos e reivindicações. 
Já para a jovem Nívea Maria Santos, 13 anos, aluna da 7ª série na Escola Indígena Pataxó, a data é de comemoração: “temos os jogos indígenas, relembramos e reverenciamos nossa cultura, as histórias dos mais velhos, fazemos uma roda, cantamos as nossas músicas”, declara. 
As opiniões expressam pensamentos distintos e, muitas vezes, divergentes. Porém, todos concordam em um ponto: a data representa um marco na história do país. Com o início da comemoração e das reivindicações dos grupos indígenas, algumas leis foram criadas para regulamentar a situação jurídica, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los ao desenvolvimento nacional. O Estatuto do Índio é uma delas, criado em 1973. Em seguida, a Constituição Brasileira de 1988 trouxe um capítulo inteiro sobre indígenas, alterando, com isso, a filosofia e a postura que se tinha em relação aos índios e aos seus direitos. Teoricamente, os benefícios da nova Constituição referem-se ao reconhecimento dos costumes indígenas, abrangendo religião, língua e tradições, com respeito às peculiaridades dos grupos e à diversidade. 
Para Vilma Matos, também conhecida pelo nome indígena Juriti, secretária na Escola Indígena Pataxó, o índio está no meio de uma evolução: “a gente não pode ficar para trás. Se o indígena tem carro, celular e computador, para a sociedade já não é mais indígena, porque o índio não precisa disso. A gente precisa sim, mas, claro, sem se esquecer de nós mesmos, de sermos índios, principalmente, da cultura indígena. É preciso respeitar o indígena como ele é”, destaca.
Antônio Eduardo Cerqueira, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Leste, acredita que o Dia do Índio é uma data importante e está inserida no processo histórico do país. “O índio é um dos pilares da formação do povo brasileiro, portanto o Dia do Índio pra gente é o dia do próprio povo brasileiro”, relata.
O índio hoje - O que os números representam?
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, estima-se que, no período da chegada dos europeus ao continente americano, existia uma população de um a cinco milhões de índios na área onde hoje está delimitado o Brasil. Para 2010, o censo estimou que, no Brasil, existiriam cerca de um milhão de índios. “Ou seja, se pensarmos no número mais baixo dessa estimativa (um milhão) e na projeção mais alta das estatísticas do IBGE (cinco milhões), tem-se aí uma diferença de quatro milhões. O que podemos concluir sobre isso? Um verdadeiro genocídio foi empreendido pela colonização”, constata João Veridiano Franco Neto, professor de Sociologia e Antropologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, campus de Porto Seguro.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje, no Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, o que corresponde a cerca de 0,25% da população brasileira. Esse dado populacional considera somente indígenas aldeados, havendo estimativas de que, além desses, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de tribos isoladas, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.
O Brasil possui uma diversidade étnica e linguística peculiar, estando entre as maiores do mundo. Ao todo, 180 línguas são faladas pelos membros desses grupos, as quais pertencem a mais de 30 famílias linguísticas diferentes. Entre os idiomas mais falados, estão ticuna, guarani e caingangue. “A metodologia adotada pelo IBGE – a autodeclaração - é um avanço, pois representa com maior fidedignidade a pluralidade cultural brasileira”, ressalta o professor João Veridiano, mestre em Antropologia Social.
“A título de ilustração, cito o caso presenciado de Cumuruxatiba (distrito de Prado) durante o processo de seleção para supervisores comunitários do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID-Diversidade), que nossa Licenciatura Intercultural Indígena acaba de aprovar: um candidato se autodeclarou como afro-indígena. O que despertou muito a minha atenção. Logo depois, fiquei sabendo por meio de um pesquisador que, no século XVIII, 40 escravos alforriados foram enviados para a região. Todos eles se casaram ou mantiveram relações afetivas com índias que já habitavam este local. Dessa maneira, as peças começam a se encaixar e a diversidade vem à tona. Penso que a situação segue para esse caminho, a superação do preconceito em se autodeclarar indígena, e, ao mesmo tempo, enfrentar as consequências e reivindicar os direitos previstos por lei”, explica o professor.
 Segundo Antônio Eduardo, representante do Cimi, no estado da Bahia, existem cerca de 16 povos indígenas, distribuídos entre diferentes espaços, como o Litoral e o Semiárido. “Esses povos têm em comum a luta pela recuperação dos seus territórios e da sua cultura tradicional. Os povos que estão num processo de luta mais denso, no estado, são os Pataxós, Pataxós Hã-Hã-Hãe, Tupinambás, Quiriris e os Tuxás”, afirma.
Na região do extremo Sul da Bahia, a predominância é dos Pataxós. Entre os municípios de Prado, Itamaraju, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro vivem cerca de 20 mil indígenas, cinco mil só em Coroa Vermelha, distrito de Santa Cruz Cabrália, onde se concentra a maior parte das comunidades indígenas da região.
Segundo a Funai, em uma década, as reservas indígenas cresceram 41% e a população, 56%. Os números revelam o avanço nas políticas de reconhecimento dos direitos dos grupos indígenas, na prática, o que a Constituição Federal de 1988 já garantia. Entre 1999 e 2009, as áreas indígenas passaram de 561 para 656, das quais 403 estão regularizadas. O total de terras demarcadas passou de 76 para 107 milhões de hectares, aumento de 41%. De acordo com a Funai, a população indígena aumentou 56% em dez anos, de 350 para 547 mil, estando mais concentrada nas regiões Norte, Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, nessa ordem de classificação.
Para Antônio Eduardo, o crescimento populacional é fato, além do aumento da autoestima. “A qualidade de vida, no entanto, ainda deixa a desejar, bem como a demarcação das terras indígenas, que não está acontecendo no mesmo volume do crescimento da população”, afirma.
A questão da terra
“Sem a terra, nós não somos nada. Precisamos da terra para viver, para plantar, para morar e para criar nossos filhos. Hoje, nós somos obrigados a viver em terras limitadas e, além de limitadas, ainda não são demarcadas”, desabafa a índia Luzia Silva.
Ao longo dos anos, a demarcação dos territórios indígenas têm sido essencial para garantia dos direitos dessa população. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, em 2009, 60 índios foram assassinados, houve 16 tentativas de homicídio e 19 casos de suicídio. Para o órgão, essa violência é causada pela disputa de terras. 
Segundo o professor João Veridiano, “ainda estamos muito longe de sair da velha situação de conflitos de terra, resultado da condição fundiária brasileira, moldada pelo latifúndio da monocultura. Penso que se estivéssemos adiantados em relação às demarcações de terra, muitos dos conflitos internos e de contato com as frentes de colonização estariam ao menos amenizados”, lamenta o professor. 
Os conflitos por terra permanecem um dos principais entraves para a valorização do índio no Brasil. Na região Sul da Bahia, vem ocorrendo o que os especialistas chamam de “processo de criminalização das lideranças indígenas”. Segundo Veridiano, “os líderes das retomadas (movimento de recuperação das terras originárias) têm sido presos, acusados de formação de quadrilha e os assassinatos continuam ocorrendo em função da posse de terra”.
De acordo com a Constituição Federal, um dos direitos diretamente ligados ao crescimento da população indígena é o de possuir terras com tamanho e condições adequados às suas necessidades econômicas, culturais e históricas. Essas, por sua vez, devem incluir espaços para subsistência, preservação ambiental e reprodução. Ao mesmo tempo em que é necessário garantir aos índios os direitos básicos que concerne a suas especificidades, a própria Constituição afirma que “o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional”. 
Para Antônio Eduardo Cerqueira, existe um grande assédio do capital nacional e do estrangeiro sobre as terras indígenas, como o hidronegócio e a construção de usinas nucelares. “São grandes ou pequenos projetos de grandes impactos. Denominamos de projetos desenvolvimentistas. O que tem causado mais polêmica atualmente é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que não prioriza a discussão com os povos indígenas, deixando de lado a necessidade de preservação cultural e da biodiversidade”, opina.
Os índios na vida urbana
Ao longo dos anos, os povos indígenas foram incorporando e adaptando elementos das diversas culturas com as quais tiveram contato. Para especialistas, é preciso manter o índio no campo, porém garantir as condições básicas para os que estão nos grandes centros, já que, em sua maioria, vivem em condições de pobreza, trabalhando em atividades informais, ainda que, tendo como base sua tradição, a exemplo do artesanato. 
Segundo a jovem Nívea Maria Santos, 13 anos, os costumes não podem mudar. “A nossa professora nos ensinou que sempre que formos sair pra algum lugar devemos manter o que somos, sempre demonstrar o que somos e não nos envergonharmos disso”, afirma. 
De acordo com Antônio Eduardo, integrante do Cimi, os Pataxós Hã-Hã-Hãe são destaque na produção de hortifrutigranjeiros, enquanto os Tupinambás são referência na produção de farinha. “Quanto à fonte de renda, há uma diversidade, a depender da região. Há muito artesanato e produção de gêneros alimentícios, como farinha, feijão, milho e batata. A pesca e a criação de animais também são comuns, principalmente na região do São Francisco. Em geral, o excedente é vendido nas feiras livres das cidades próximas”, declara. 
Segundo Antônio Eduardo, as aldeias hoje estão se organizando em associações a fim de conseguir crédito para facilitar a implementação dos aspectos produtivos. “No lugar do assistencialismo, busca-se a autonomia das comunidades. Vale ressaltar que a produção tem consequência direta nas relações de conflitos fundiários. Os grupos mais problemáticos quanto à regulamentação de terra não têm o tempo e a tranquilidade necessários para geração de renda”, relata.
A índia Luzia Silva trabalha no centro de Porto Seguro como Gerente de Assuntos Indígenas da Superintendência de Assuntos de Povos Indígenas do município. Ela afirma que a rotina dos índios, principalmente dos que vivem em aldeias que vêm sofrendo a pressão urbana, mudou muito desde a colonização. “Somos obrigados a nos adaptar à rotina diferenciada do não-índio. É uma obrigação que nós temos. Até porque temos que estar preparados para concorrer no mercado de trabalho de igual para igual. Somos abordados a todo momento: ‘– Ah! Por que o índio está estudando aqui na cidade? Índio não precisa estudar. O índio está de roupa. O índio tem um carro. O índio tem um celular’. Então, às vezes, isso é muito angustiante para nós, indígenas, pelo fato de saber que fomos obrigados a usar toda essa tecnologia que não era nossa, mas que passou a ser. Nós, hoje, vestimos roupa porque a colonização nos fez assim. Então, precisamos ter qualificação no nosso trabalho e na nossa vida, para que a gente também seja reconhecido como ser humano”, relata.
Apesar de toda a necessidade de adaptação urbana, Luzia não dispensa rituais simples da cultura indígena. “Nos fins de semana, vou à comunidade onde vivem meus parentes, escuto as histórias dos mais velhos, me alimento do que é produzido na aldeia, como caranguejo e peixe. São hábitos que aprendi com meus pais e continuo praticando”, declara.
Para o professor João Veridiano, as trocas e as relações de intercâmbio entre os povos indígenas são anteriores ao advento da sociedade do consumo. “Nem todas as tribos dependiam exclusivamente do que produziam. Sabe-se de instrumentos de ferro encontrados em sítios arqueológicos que chegaram a esses grupos antes mesmo do europeu entrar diretamente em contato com eles. Ou seja, os habitantes nativos já tinham consolidado uma rede de intercâmbio muito abrangente; e não apenas de bens materiais, mas também de ideias e informações”, explica. Citando a Antropologia Social, o professor destaca que a cultura é um fenômeno dinâmico: O “conceito de ‘aculturação’, tão difundido, já se tornou antiquado como instrumento de análise das sociedades. O que se propõe, atualmente, é a ‘transformação’”, afirma.
Saúde - problemas e alternativas
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), realizou o 1° Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, desenvolvido entre 2008 e 2009. Os pesquisadores visitaram 113 aldeias indígenas, onde entrevistaram 6.707 mulheres (com idades de 14 a 49 anos) e 6.285 crianças (com até cinco anos).
Os resultados da pesquisa indicam que 51,3% das crianças apresentam anemia. O inquérito também constatou que uma em cada cinco crianças da região Norte não possui certidão de nascimento. Destaca-se também a deficiência das ações de imunização. Os dados coletados mostram que a maioria das crianças (92,9%) recebeu, pelo menos, uma dose da vacina BCG, contra tuberculose. Entre as mulheres, os principais resultados apresentados foram indicativo de anemia e obesidade. As ocorrências foram verificadas também entre a população não-indígena que vive em áreas urbanas.
Para o Conselheiro do Cimi, Antônio Eduardo, é necessário garantir educação, saúde e sustentabilidade diferenciadas. “Como os povos indígenas têm acesso aos centros urbanos, passam a consumir mercadorias industrializadas. É preciso também, que o Ministério da Saúde, através da Secretaria Especial para Atendimento à Saúde Indígena, ofereça tratamento diferenciado, com base nas ervas medicinais e nos rituais indígenas, para evitar problemas, como a mortalidade infantil, que ainda é crítica, e a pressão alta”, esclarece.
“Essa interferência urbana vem causando diversos problemas dentro das nossas comunidades, principalmente em relação à saúde. Então, a gente precisa de um atendimento à saúde que dê valor a nossa medicina tradicional, que valorize nossos pajés. Se você vai para um médico, ele não vai passar um chá, ele vai passar um antibiótico”, explica a índia Luzia Silva. Para ela, é preciso valorizar rituais de cura aplicados nas comunidades indígenas, como o chá de ervas, sumo de folhas de plantas e banho com plantas medicinais.
Educação formal sob a ótica indígena
Segundo o Ministério da Educação (MEC), em todo o país, as escolas indígenas somam 2,5 mil. A taxa de alfabetização cresceu e, em 2007, chegou a 176 mil. O estado da Bahia possui 397 professores indígenas, que atuam nas 62 escolas instaladas nas aldeias, sendo oito estaduais e 54 municipais. 
No final do ano passado, a Bahia aprovou a Lei nº 18.629/2010, inédita no país, que institui a carreira de Professor Indígena no quadro do Magistério Público Estadual. O projeto de lei prevê a construção de uma educação diferenciada, resultante da troca de experiências com os índios. A linguagem, o método e a formatação de ensino, adaptados ao contexto das comunidades indígenas, passam a ser essenciais para o entendimento e a preservação da cultura desses povos.
De acordo com o MEC, dois mil índios cursam o ensino superior no país. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) são referências por oferecerem Licenciatura Intercultural Indígena (LINTER). Na Bahia, o IFBA é a segunda instituição a implementar a licenciatura, que tem por objetivo contribuir para valorização e reafirmação cultural dos povos indígenas, defendendo seus princípios, direitos e tradições.
No campus de Porto Seguro, cidade com grande concentração de grupos indígenas, o Instituto ofereceu, em 2010, 80 vagas direcionadas para docentes em exercício, egressos do Magistério e do Ensino Médio, gestores e técnicos em educação que trabalham em escolas indígenas. 
Segundo o professor da LINTER, mestre em Linguística, Francisco Vanderlei Ferreira, “a educação escolar indígena ainda é bastante recente, possuindo questões diversas que merecem um espaço amplo para debate, como o reconhecimento da causa indígena no cenário socioeducativo baiano e nacional”, destaca.
A primeira etapa do semestre ocorreu de 18 a 31 de outubro de 2010, quando alunos e professores se encontraram em sala de aula. A Licenciatura terá duração de quatro anos e usa como metodologia a Pedagogia da Alternância. Nos intervalos dos encontros presenciais, os alunos desenvolvem ações nas comunidades, acompanhados e orientados pelos professores do IFBA.
Para Ajurú Pataxó, aluno da LINTER, os povos indígenas conseguiram muitas conquistas através da sua organização: “os avanços educacionais, por exemplo, são frutos de demandas debatidas em reuniões, fóruns, conferências, seminários, encontros, tanto em nível estadual quanto nacional, nas quais as propostas foram apresentadas”, destaca. 
Ele ressalta, ainda, a importância da formação em nível ensino superior de modo específico e diferenciado: “só quem sabe trabalhar com as comunidades indígenas é o próprio índio. Ele é o protagonista dessa história, saberá quais são as dificuldades, a realidade do dia a dia dos alunos, por conhecer quem são, até mesmo por questões de vínculo familiar. Graças a Deus e ao nosso bom Niamissum (principal divindade da comunidade Pataxó), nós conseguimos a Licenciatura Intercultural, é uma vitória. Hoje temos uma educação voltada para o nosso povo, e nada melhor que a própria lei, na Constituição Federal de 1988, para garantir nossos direitos”, afirma.
Segundo o professor Edson Machado Brito, coordenador da Licenciatura Intercultural Indígena, a educação escolar indígena tem uma legislação própria. “Por exemplo, a língua indígena é a primeira a ser ensinada dentro das escolas. Então, o ensino em Língua Portuguesa fica num momento seguinte. Reforçar a cultura dos índios, travando um diálogo com o conhecimento universal, é o principal objetivo da LINTER”.
Indígena, filho de Caiapó e Marajuara, da região Amazônica no estado do Amapá, o professor critica a maneira com a qual as escolas comemoram a data: “a maioria das escolas utiliza a aparência para lembrar o ser índio e nos outros dias o índio não aparece mais. Então, de maneira geral, o que a gente vê é que o indígena praticamente não aparece nem nas aulas de História. Os indígenas não são passado, eles são passado e presente. Se é para comemorarmos o dia 19 de abril, vamos comemorar a Licenciatura Intercultural Indígena. Os parentes Pataxós, em Coroa Vermelha, farão jogos indígenas, uma série de atividades, vão comemorar a conquista de terras, a reconquista de novas terras e o fortalecimento da cultura”, finaliza.
Fonte: http://www.portoseguro.ifba.edu.br/